Publicado em 08/11/2019
"Caso Lula mostrou como o sistema funciona mal", afirmou Gilmar Mendes, que reiterou críticas à Lava Jato
O Supremo Tribunal Federal (STF) revisou sua decisão sobre a prisão para condenados na segunda instância e decidiu nesta quinta-feira (7) que as privação da liberdade só pode ser determinada depois de esgotados todos os recursos. Com o placar empatado em 5 a 5, coube ao presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, anunciar a decisão, que poderá ter influência direta no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja prisão completou hoje um ano e sete meses.
Durante a sessão, os ministros Gilmar Mendes e Celso de Mello, decano do STF, fizeram críticas a procedimentos da Operação Lava Jato. O primeiro, por exemplo, disse que decisões vindas de Curitiba, que deveriam ser provisórias, tornaram-se definitivas. "Se há o combate à impunidade é em razão desse STF, do parlamento que criou a lei e de quem a sancionou. Essa é uma política de Estado, não de heróis ou candidatos a heróis. Até porque as pessoas passam, as instituições ficam", disse Toffoli.
Toffoli procurou pontuar, mais de uma vez, do que tratava o julgamento: se o Artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP) – cujo teor ele leu três vezes, enfatizando representar uma vontade do parlamento –, que prevê prisão após o trânsito em julgado, quando não há mais recurso, conforme o princípio da presunção de inocência previsto no artigo 5º da Constituição: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória". Interrompido em 24 de outubro, o julgamento analisava as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43, 44 e 54. Essas ações, ajuizadas pela PEN (atual Patriota), pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e pelo PCdoB, pediam a constitucionalidade do artigo 283.
Ainda no início do julgamento, o relator das ADCs, ministro Marco Aurélio Mello, considerou que a prisão na segunda instância fere o princípio constitucional. Seu voto foi seguido por Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Celso de Mello, os dois últimos nesta quarta, e, por fim. Toffoli. Tiveram posição divergentes os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
O presidente da Corte afirmou, várias vezes, que o artigo do CPP expressa a vontade do parlamento, e lembrou que o Congresso também pode alterá-lo. "O que estamos julgando hoje é este texto normativo." Durante seu voto, foi interrompido algumas vezes por Gilmar Mendes, que o apoiava, e por Luiz Fux, que tentava contestar.
Primeira a votar na tarde de hoje, a ministra Cármen Lúcia iniciou sua fala pregando respeito às posições contrárias como princípio democrático. "Em tempo de tanta intolerância com tudo e com todos que não sejam espelhos, causa espécie que se adotem discursos e palavras contrárias ao que é da essência do Direito e da democracia. Quem gosta de unanimidade é ditadura. Democracia é plural, sempre. E o Direito vive do contraditório", afirmou a ministra, que acompanhou a divergência e ampliou, às 15h10, o placar para 5 a 3 a favor da possibilidade de prisão após a segunda instância. Segundo ela, um "acidente de computador" impediu a leitura do voto na íntegra.
Cármen Lúcia lembrou ainda que o tema não era simples porque há divisão na Corte há pelo menos uma década. Em 2009, quando o STF decidiu por prisões apenas após o trânsito em julgado, Cármen foi voto vencido. A posição do Supremo mudou em 2016. "Jamais deixei de acatar e aplicar aquilo que se decidiu. Este é um tribunal, como é a comunidade jurídica, que tem responsabilidade jurídica com a garantia constitucional deste país. (?) Não se está, aqui, a testar, conforme o resultado, a falibilidade dos processos, mas a busca das melhor interpretação que favoreçam os direitos fundamentais no Brasil."
Na sequência, Gilmar Mendes afirmou que as instâncias ordinárias fizeram mau uso da possibilidade de prisão após a segunda instância, com base em decisão do próprio STF. "Decidiu-se a execução da pena seria possível, mas não imperativa", disse o ministro, falando em "desvirtuamento", tornando prisões provisórias em alongadas. "E as prisões provisórias de Curitiba se tornaram em decisões definitivas", acrescentou. "Portanto, a regra era a prisão provisória de caráter permanente, e isso passou a me chamar a atenção."
Em 2009, Gilmar também votou pela possibilidade da prisão em segunda instância. Mas ele defendeu critérios para que isso aconteça e disse ter sempre manifestado "inquietação" com prisões realizadas automaticamente, sem a devida fundamentação.
Ele fez referências explícitas à situação de Lula. "Eu posso ser suspeito de tudo, menos de petismo. E também não sou anti-petista. Este caso Lula é um caso para estudo. porque, de fato, mostrou como o sistema funciona mal", afirmou o ministro, que chegou a ser interrompido pelo presidente da Corte. Dias Toffoli destacou que a própria força-tarefa da Operação Lava Jato, em Curitiba, já se manifestou pedindo progressão da pena e que Lula já deveria estar fora do regime fechado. Gilmar respondeu que só fez isso a partir da possibilidade de o Supremo decidir a questão: teria sido uma "benevolência compulsória". Às 16h08, ele concluiu o voto acompanhando o relator, com o quarto voto a favor da prisão apenas concluído o trânsito em julgado.
Depois de quase uma hora de interrupção, já perto das 17h o decano Celso de Mello iniciou seu voto apontando a corrupção como "agente de decomposição da substância das instituições públicas" e fator que "deforma o sentido republicano da prática política". E ressaltou que nenhum ministro da Casa discorda do combate rigoroso "a todas as modalidades de crimes praticadas por agentes públicos, qualquer que seja a posição hierárquica", ou por empresários, reunidos, como definiu "em um imoral sodalício (conluio)".
Mas ele acrescentou que a repressão a qualquer modalidade de crime não pode se dar com desrespeito à ordem jurídica. "O Estado não pode agir de modo abusivo", afirmou o ministro. "Uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica. (?) A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos nem ao império dos fatos. Sua supremacia é a garantia mais efetiva de que os direitos e a liberdade jamais serão ofendidos. E cabe ao STF a tarefa de velar para que essa realidade não seja desfigurada." O processo penal, emendou o decano, "não pode ser instrumento de arbítrio do Estado".
Para Celso, a Lava Jato e outras operações evidenciaram um cenário de "delinquência institucional". Ele defendeu a "intangibilidade" da Constituição. "Nada compensa a ruptura da ordem constitucional, porque nada recompõe os gravíssimos defeitos que derivam de gesto de infidelidade ao texto constitucional." O voto do decano foi o mais longo, aproximadamente duas horas, concluído às 19h08.
Fonte: Rede Brasil Atual